terça-feira, 2 de junho de 2009

Morreste outra vez

Finalmente, tiveste o teu ataque cardíaco. E eis-me aqui, neste quarto escuro e silencioso: sozinha.
Sei que gostarias de ter feito amor comigo, de te aliviar em mim; mas venceu-te a preguiça ou o cansaço ou o tédio; deixaste-te adormecer, enquanto eu ia adiando (…). Adiando, que é a minha forma de viver.
Apago a luz da casa de banho, fecho a porta para que não me persiga o cheiro das tuas botas, das tuas peúgas, dos teus pés, da tua carne. E vejo-te assim: tão estático e imóvel e hirto e imperturbável que só podes estar morto. Aproximo-me devagar, não sou capaz de te tocar. Não quero tocar-te. Sento-me na ponta da nossa cama, perto de ti; se quisesses, se pudesses, esticarias a mão, tocar-me-ias na perna, tentarias excitar-me, (…); mas não te moves. E eu concentro-me no esforço de não te olhar, de te esquecer. Tento distrair-me.


Gastar palavras
Paulo Kellerman

foto por: Cristina Henriques

2 comentários:

  1. Desculpa, mas quem é o Paulo Kellerman ?

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  2. Olá Ana
    Para descobrires um pouco mais sobre este escritor português, basta procurares em DERIVA EDITORES.
    Abraço
    Violeta

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