terça-feira, 31 de março de 2009

São quatro da manhã

Impera o silêncio nesta casa. O quarto iluminado por uma melancólica luz de um não menos melancólico candeeiro da rua. O telefone. Não digo nada, refugio-me num completo mutismo. Do outro lado um poema na tua voz. São quatro da manhã e eu sou feliz.
Aurora
por: Cristina Henriques

Iludamo-nos

Desenganos do passado,
Não servireis ao porvir?
Sempre a perder ilusões,
Sempre ilusões a sentir!

Não mais, não mais; nesta vida
Ainda esperar é loucura.
Sofrer: eis nosso destino!
Sonhar: eis toda a ventura!

Soframos pois...Não, sonhemos,
Criando mundos ideais,
E com mentidos prazeres.
Curemos penas reais.

Ilusões, sede bem-vindas,
Povoai-me o pensamento:
Convosco, sim, a ventura
Se goza por um momento.

Júlio Diniz
Julho de 1860

Comboios e carinho

Imagem de um brilhante trabalho de dois grafiters brasileiros (os Gémeos)

segunda-feira, 30 de março de 2009

A angústia de viver

Às vezes despertamos e sentimos que estamos vivos. Rapidamente criamos a ilusão que tudo será diferente. Um novo nascer, contrariando a morte que nos tinha como cativos. Tudo se altera e o que antes nos mantinha extintos é agora o nosso principal impulsor. Passamos a viver e a acreditar no que não é passível de ser credível. Habitamos a utopia. No entanto, sabemos que estes momentos são efémeros. Sabemos que nada é real e em breve ansiaremos pela morte outra vez. A morte é mais tranquila, com ela não sonhamos, não nos é permitido. Prefiro-a. Um sonho não passa disso mesmo, um sonho. Não devemos sequer tentar viver uma ínfima parte dele

Aurora
por: Cristina Henriques

domingo, 29 de março de 2009

Respirar

Nova paragem. Respirar. Conheço alguém que se define como uma “metralhadora em permanente estado de graça”, eu não sou assim. Sou um pouco como a maré, vai e volta. Só a minha inconstância é verdadeiramente constante e ela é-me tão familiar como o ar que respiro.

Aurora

terça-feira, 24 de março de 2009

Estranho destino

"Que estranho destino é o meu que apenas me consente paixões ardentes e me faz esgotar em amores improváveis."

José Manuel Saraiva
"Aos olhos de Deus"
foto: Cristina Henriques

Galeria "Snow"

Estimado Pedro
Aqui está o que sempre me incentivaste a fazer, ou seja, uma pequena galeria virtual com o material que tenho perdido pela casa. No entanto, existem ainda mais trabalhos, mas eu não me lembro onde os guardei. Acho que tenho de ir ao sótão um dia destes…
Um abraço
Cristina

Caminho

por: Cristina Henriques

...não se explica, sente-se.




por: Cristina Henriques

Refeição


por: Cristina Henriques

Paternidade

por: Cristina Henriques

Vida

por: Cristina Henriques


Azul


por: Cristina Henriques



Acrobatas



por: Cristina Henriques

Azul




por: Cristina Henriques

Máscaras



por: Cristina Henriques

segunda-feira, 23 de março de 2009

Enfrentar o apetite da tempestade

Encontrei a descrição perfeita para o momento que estou a viver numa música dos Interpol. Simplesmente brilhante esta harmonia entre a palavra e a música. Convido, não só a ler, como a ouvir também em http://www.youtube.com/watch?v=DmWPRbhbrYA



The lighthouse
Álbum: Our love to admire

This place is set to break
It's just as safe for me outside tonight


And I want that
I face the storm's apetite
From the lighthouse


And I want that
I face the storm and the night
Whole

What do the waves have to say now?
What do the waves have to say now now?
Slow now
I let the waves have their way now now
Slow
I let the waves have their day

Here I've been living unloosened from sin
Upward and outward
Begin, begin


Here I've been loosened, unliving within
Inwardly urgent
I'm sinking again





por: Cristina Henriques

Sair da penumbra

foto: Dennis; montagem: Leandro

quinta-feira, 19 de março de 2009

Olhamos, mas não vemos

foto: Cristina Henriques

terça-feira, 17 de março de 2009

Silêncio necessário

Ficou silêncio. Dentro de mim, um silêncio completo. Era absolutamente necessário. Ordenei a mim mesma que parasse. Tinha de parar de me ouvir. Exigi silêncio. Não sei exactamente, por quanto tempo permanecerei assim. Não faço ideia. Já tentei rabiscar o moleskine, mas só sai ... silêncio. Aos Vitores que se começavam a habituar à minha voz interior, peço perdão. A inspiração voltará, não sei se com o cheiro da Primavera, com o sol do Verão ou com as cores do Outono, e eu vou estar à sua espera.

Cristina

Spacial Concept

Lucio Fontana

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sair de cena

"Foi naquele dia, na Primavera de 1965, que morri. Tanto fazia que naquele dia me tivesse atirado para debaixo do comboio em Temple Meads como não. Por vezes sinto-me culpado por todo o espaço que ocupei neste mundo e toda a comida que ilegitimamente comi. Há vinte e três anos que tudo isso se anda a desperdiçar em mim. De certeza que não estão interessados nesta história do desgraçadinho cheia de autocompaixao. A partir de agora vou sair de cena. Vou servir apenas de confessionário e permanecerei escondido, anónimo e indulgente. Durante todos estes anos, sempre que telefonava a Evelyn, ela ficava a falar durante horas a fio, contando-me todos os detalhes da sua vida e todos os remorsos que tinha na consciência, mantendo-me petrificado do outro lado da linha. Era masturbação e a autoflagelação, bálsamo e castigo. Era como se fosso um aparelho de reanimação, que mantinha em mim uma chama de vida ténue, muito ténue. E, ao mesmo tempo, reduzia esse sopro de vida a uma insignificância tão infinitesimal que eu continuava tecnicamente morto. Mas, mesmo assim, continuo a ser o maior arquivo que existe sobre a vida de Evelyn Cotton. Se vivêssemos numa era cientificamente mais avançada, a Universidade do Texas compraria o meu cérebro e conservá-lo-ia na biblioteca, ao lado dos manuscritos e das cartas dela. Podia metê-lo numa caixa bonita e pôr à frente um retrato meu de quando tinha 21 anos. Seria mais atraente do que este cangalho de 44. Tenho as costas cheias de pêlos e os dedos ficaram amarelos. Já chega de conversa sobre este cadáver em decomposição, dentro do qual estou metido."

Frank Ronan
“Os homens que amaram Evelyn Cotton”

"Jardim"
Miró


Memórias

Todos nós assistimos à chegada de enumeras pessoas nas nossas vidas. Chegam de muitas formas e fazem-se sentir de múltiplas maneiras. No meu caso, poucas são as que se chegam a instalar, a maioria passa de modo silencioso, quase indiferente. Daquelas que ficam, há as que se passeiam pela minha vida, de modo intenso, com as quais estou sistematicamente a encontrar-me e, há as que marcam a sua presença pela descrição. Quase todas se despedem, mas nem sempre são despedidas definitivas. Existe sempre o lugar dos reencontros. Quanto à hora de dizer adeus, também diverge, por vezes impera a dor, noutras a serenidade.
Existe no entanto algo de que nunca me despeço, chamo-lhe “memórias” e são um poderoso e riquíssimo legado, uma vez que me une a todos os que, de alguma forma me tocaram.

Aurora
"Persistência da memória"
Dali

quinta-feira, 5 de março de 2009

A ideia de Arte é complexa e mutável

O meu livro é poesia e, se não é, há-de ser, porque a noção de poesia há-de adaptar-se ao meu livro.


Laurie Adams
por: Cristina Henriques

Temos mestre

A todos os que me apoiaram: OBRIGADA!

Cristina

"Auto-retrato"

Escher

segunda-feira, 2 de março de 2009

Hoje pensei em Florbela Espanca, uma vez que é a poetisa preferida de uma amiga muito especial, que está neste momento a viver a dor profunda de perder alguém que muito amou. No entanto, há uma frase de Oscar Wilde que não me sai da cabeça.
"O mistério do amor é maior que o mistério da morte."
Oscar Wilde

domingo, 1 de março de 2009

Tu nunca soubeste, mas uma vez jurei a mim mesma que, se fosse preciso, ia buscar-te à espuma do mar.

Vénus já tinha desaparecido e estava uma noite húmida, a chuva que caía era inofensiva, mas ia-me molhando com lentidão e teimosia. Voltei a percorrer o caminho, mas desta vez no sentido contrário. Respirei fundo. Chamei a coragem para me ajudar.

Mergulho. Ruas, Becos e Escadas … Acho que sei onde estás. Só podes estar naquele sítio. Tenho a certeza. Está escuro. Avanço. Sinto o arrepio do medo, mas… encontrei-te. Eu sabia que tinha de voltar aqui. E sabia que isso me enfraqueceria outra vez. Anda. Anda, eu sei o caminho, vamos sair… meu amor.

Aurora


"Abraço"

Klimt

O mês de Fevereiro

Fevereiro gostava muito de comer, estava sempre com fome e punha os olhos em tudo o que os outros comiam.
Uma certa vez, viu o mês de Março que se praparava para comer um prato de papas. Fevereiro, cobiçando as papas, fez um contrato com Março: ele dava-lhe o prato de papas e Fevereiro, como não tinha mais nada para dar em troca, propôs dar-lhe três dias.
Março não pensou duas vezes e aceitou o negócio, até porque estava habituado a jejuns da quaresma, mais papas menos papas, e entregou logo a Fevereiro o prato.
Fevereiro entregou-lhe os três dias e consolou-se de tal maneira que nunca lamentou ter dado esses dias. Ficaram sempre muito amigos e consideram-se compadres. E é por isso que Fevereiro tem só vinte e oiti dias e Março tem trinta e um.
(conto tradicional açoriano, ilha do Corvo)