Por: Cristina Henriques
Por aqui impera há dias a imagem das raparigas cinzeiro. (“-Cenicero…”) Cinzeiro, simultâneos depósitos de dor (É pá! Alguém cala esse fulano?...) e prazer. Como podem ter prazer na dor que as queimaduras lhes provocam. (“-Cenicero…”) Como suportam o rasgar (Outra vez?) dos músculos do peito? Como podem gritar de agrado? Como pode alguém transportar um peito… um coração… um cinzeiro? (“-mi corazón de cenicero”) Às vezes (Calem-no!!!) tenho a resposta, confesso. Silvano, um amigo meu, perguntou-me se andava a desenhar, neguei. Menti-lhe. Desenhei, mas a paleta utilizada era atroz, por isso menti. Negros, roxos, castanhos, cores rosadas de carne viva pronta a ser queimada… pareciam saídos do mundo de Francis Bacon… Silvano acabou por me enviar uma peça clássica para me colorir um pouco, mas eu ando às voltas com a metáfora do cinzeiro … e isso não é bom. Penso. Quantas vezes vimos a nossa carne (“-Cenicero…”) queimada? (Voltou outra vez…) Os nossos músculos trespassados? Quantas vezes já gritámos de dor? Quantas (“-Cenicero…”) vezes nos deitamos (Vou desistir, ele que fale, que cante…“-mi corazón de cenicero”) em camas frescas e limpas e as transformamos em lençóis de sangue? Há tantas maneiras de ser cinzeiro (“-Cenicero, cenicero, mi corazón de cenicero…” )…tantas. (Deixa… ele que diga… que é um coração cinzeiro) Mais doloroso será pois um coração queimado uma quantidade de vezes, sem uma cicatriz sequer… a pele, os músculos rasgados sem uma única cesura… os lençóis brancos e frescos ainda que depois de uma bárbara tortura… Porque me deixo queimar? O que me atrai nestes episódios sinistros e violentos que depois de vividos estão em perfeita harmonia com o fascinante e o belo? Penso… “Cenicero, cenicero, mi corazón de cenicero…”
Aurora
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