"Nas paredes escuras do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso, boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que trepavam e desciam. Os móveis, maiores de que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva. A porta era indicada por qualquer coisa nem mais branca, nem mais preta do que a noite, mas diferente. Quanto à janela, eu só a ouvia.
Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da minha alma alargava-se, alastrava, incluía o que eu sentia, o que eu queria, o que eu ia sonhar. Os objectos vagos, particulares, na sombra, da minha insónia, passavam a ter lugar e dor na minha desolação."
in Desassossego
Bernardo Soares
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