quarta-feira, 29 de abril de 2009

em desassossego

"Nas paredes escuras do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso, boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que trepavam e desciam. Os móveis, maiores de que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva. A porta era indicada por qualquer coisa nem mais branca, nem mais preta do que a noite, mas diferente. Quanto à janela, eu só a ouvia.
Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da minha alma alargava-se, alastrava, incluía o que eu sentia, o que eu queria, o que eu ia sonhar. Os objectos vagos, particulares, na sombra, da minha insónia, passavam a ter lugar e dor na minha desolação."
in Desassossego
Bernardo Soares

terça-feira, 28 de abril de 2009

Os Retratos do Abismo


Um elevador aberto

Preâmbulo


Um quarto


Janela com vista sobre o rio


Azul profundo


Profundo violeta


Paredes frias

a importância de ser um sommier...


Fotos: Cristina Henriques


Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém


Fernando Pessoa

"Retratos do Abismo"



O trabalho é composto por sete ilustrações, de 150 cm x 100 cm cada, dispostas de forma semicircular que ladeiam um sommier, no qual se lê um excerto de um poema de Fernando Pessoa.






Fotos: Cristina Henriques

Nota: Este trabalho será posteriormente integrado no Projecto Aurora, ainda em fase embrião.

“Retratos do Abismo” no Segredo

A metáfora

Com o principal propósito de "retratar" um encontro entre o desconhecido e a nossa, sistemática, procura em conhecer e ultrapassar os nossos limites, este trabalho fala-nos de uma sucessão de abismos, vividos de uma forma mais ou menos intensa. Desses abismos saímos sempre diferentes, mas sempre mais fortes. A subida para o topo da falésia, da qual saltámos, nem sempre é fácil, nem breve. Contudo, trazemos connosco uma panóplia de sentimentos e recordações que se transformam em brilhantes aprendizagens.


Pormenor de Azul profundo

Foto: Cristina Henriques

O Segredo

O Segredo é um lugar que não nos deixa indiferente, quando o pisamos sentimos a importância que teve para os que tentavam defender a península dos invasores que ainda imaginamos ao longe. Sentimos a agonia de alguns prisioneiros que tentaram a sua sorte num salto rumo ao mar. Sentimos a dor da clausura dentro das suas celas. Sentimos o descanso dos que aqui foram albergados, quando despojados de tudo o que tinham.


foto: Cristina Henriques


É neste espaço tão peculiar que no próximo dia 1 de Maio terei a oportunidade de expor o meu trabalho “Retratos do Abismo”.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Fuga do Segredo de Dias Lourenço

Dias Lourenço foi um do muitos presos políticos que passaram pela Fortaleza de Peniche durante o período do Estado Novo. Contudo, este prisioneiro protagonizou uma das mais marcantes fugas deste local, uma vez que o fez sozinho, durante a noite e em pleno mês de Dezembro.
Portão de Entrada no "Segredo"

Às duas da madrugada, depois de estudar as rondas dos guardas e desfiar um cobertor para o transformar em corda, Dias Lourenço acabou de desfazer a porta da “solitária”, situada no segredo, onde foi encarcerado por medida disciplinar depois de provocar propositadamente um guarda prisional, e mergulhou despido num mar frio e revolto, com uma trouxa de roupa no braço esquerdo.
Entrada da cela solitária

As ondas e a maré vazante demoraram-no uma hora e meia a percorrer os 400 metros que distavam a costa. Aí chegado, teve a sorte de contar com a solidariedade de populares que o ajudaram a fugir numa camioneta de peixe.


Esta singular história pode ser ouvida na primeira pessoa através do relato feito pelo próprio Dias Lourenço em: http://www.youtube.com/watch?v=_ywB9qwGQ5A

fotos: Cristina Henriques (2009)




O Redondo (mais conhecido como o Segredo)

O projecto de construção deste baluarte (primeira fortificação em Peniche) foi iniciada em 1557,sob a responsabilidade de D. Luís de Ataíde, conde de Atouguia, e foi concluído em 1558, como indica uma inscrição colocada sobre a porta do designado baluarte Redondo.


Foto: Cristina Henriques


Esta fortaleza foi erguida por D.Luís de Ataíde por ordem do sereníssimo rei D.João III. Foi começada no ano de 1557 e concluída no ano de 1558 no reinado do invencível rei dos portugueses Sebastião primeiro.

(Inscrição existente no Redondo)



A Fortaleza de Peniche

“A fortaleza de Peniche (para a qual se entra por uma poterna – o túnel do Revelim -, a que se segue uma ponte fixa de alvenaria de quatro arcos, seguida de outra, igualmente fixa, que ainda no século passado sustentava um chão de pranchas de madeira correspondente à antiga ponte levadiça, com um vão de 4,5 metros), imponente nas suas cortinas e no recorte defensivo dos seus merlões, canhoeiras e guaritas, relativamente bem conservados e onde o Redondo se destaca como o primeiro testemunho das defesas da antiga ilha e o motor do desenvolvimento da povoação, foi, depois de reconhecida, face às novas técnicas castrenses, a sua inoperacionalidade militar, abrigo temporário de refugiados espanhóis, brasileiros e boers, residência fixa de prisioneiros alemães durante a I Grande Guerra Mundial, prisão política do Estado Novo durante mais de quarenta anos e, após a revolução do 25 de Abril, de alguns responsáveis pela ditadura e elementos da extinta Direcção Geral de Segurança e, depois ainda, abrigo de retornados das antigas colónias, sendo actualmente, sede de um Museu Municipal e centro de outras actividades culturais.”

Mariano Calado

Foto: Cristina Henriques

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Obrigada pelo sonho

Estava mesmo cheia de frio, ainda estou, mas foi bom sentir alguém a aconchegar-me. Como te disse precisava apenas da presença, da companhia e do calor. Nem dei por adormecer, deve ter sido imediato, eu bem te disse que bastava a tua mão naquela zona das minhas costas para eu descansar. É sempre assim.
O dia acordou bonito, soalheiro, mas eu ainda estou na minha escuridão. Ao menos a noite foi amiga. Mas não te preocupes, esta melancolia passa. Passa sempre. Obrigada pelo sonho.

Cristina

Ilustração do Álbum "Sleeping with ghosts" dos Placebo

domingo, 19 de abril de 2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Metáfora

Repara: - a imóvel crisálida
Já se agitou, inquieta,
Cedo, rasgando a mortalha,
Ressurgirá borboleta.

Que misteriosa influência
A metamorfose opera!
Um raio do sol, um sopro!
Ao passar, a vida gera.

Assim minh´alma, inda ontem
Crisálida entorpecida,
Já treme, e amanhã
Voará cheia de vida.

Tu olhaste – e do letargo
Mago influxo me desperta:
Surjo ao amor, surjo à vida
À luz de uma aurora incerta.

Júlio Dinis
1 de Maio de 1860

Metamorfose

Escher

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Fui

Um não olhar para trás e… fui. A noite calma, apenas a saudade. Fui. Quietude. Harmonia. Paz. Saudade sim, como não tinha imaginado. Calor. Prazer. Conforto. Um sussurrar baixinho ao ouvido da minha alma. Fui.
Aurora

por: Cristina Henriques

domingo, 12 de abril de 2009

Carta a Alex

Querido Alex
Adorei a tua carta, fico sempre feliz ao ler as palavras que me escreves.
Não imaginas como tive pena de não ter ido a Paris contigo, mas sabes que não te poderia acompanhar agora. Adoro aquela cidade. Dizias que estiveste um dia inteiro no D´Orsay, como eu adoro esse Museu, em especial o espaço dedicado a Degas. É simplesmente mágico quando percebemos a sensibilidade e leveza do seu traço... Agora que penso, a minha imaginação voa até lá e penso numas das semanas mais felizes da minha vida... Tenho saudades desse tipo de momentos felizes.
Quanto a mim, estou bem, mas sempre com pouco tempo para tudo o que quero fazer. Sabes como sou, por mim os dias deveriam ter 35 horas e as semanas 9 dias, talvez chegasse..
A Cristina também anda bem, por estes dias está muito ocupada porque anda de volta de um projecto (do qual eu faço questão de não saber de nada). A aurora, é sempre a mesma. Sempre. Deixa tudo desassossegado, parece que foi feita em cima de uma fogueira de Santo António. Quanto ao tal Aston Martin que pensas-te em trazer-me de presente, seria muito interessante, mas depois viriam as multas de excesso de velocidade, que são sempre uma grande chatice. Por isso o melhor prenda que me trazes são as tuas letras e a tua voz, porque já tenho saudades de a ouvir (não, não estou louca).
Despeço-me um grande beijo

Violeta

Degas

Bom senso "horripilante"

"Hoje em dia, as pessoas estão a morrer de uma espécie de bom senso horripilante, e só quando já é tarde descobrem que as coisas das quais não nos arrependemos são os nossos erros."


Óscar Wilde
Chagall

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Porto

Há tempo voltei ao Porto. É curioso como aquela cidade ainda me desperta as mesmas sensações de quando tinha apenas dezanove ou vinte… Deve ser das cores e do modo como a luz a ilumina as ruas. É uma cidade poderosa. Deixa-me serena e tranquila, mas por outro lado irrequieta. Admiro o rio. Adoro a ideia de estar numa margem e poucos metros depois, noutra. Numa margem … noutra margem. Vou e … volto. É perfeito. Agora estou nesta margem. Serena e em Paz. Mas logo posso atravessar o rio pela ponte e estou … na outra margem. Uma margem mais frenética, mais delirante. Gosto mesmo do Porto, só espero que o Verão chegue depressa.

Cristina

"Ribeira Velha"

Júlio Resende

Retratos do Abismo (estudos)

"Este elevador não é fechado"

"Esta casa não tem quartos?"

"Quarto..."

"...com vista sobre o rio".


"Lembro-me de ti assim"


"Nunca viver o paralelismo"



"Paredes frias"


por: Cristina Henriques

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Quarto III

Tenho um galo nas traseiras da casa que já me alertou para as horas com uma breve melodia...deve ser cedo. Aqui dentro, não desisti do quarto. Foi uma batalha travada com extrema dureza, mas... parece-me que valeu a pena. O estudo ficou aceitável. Irra!
Aurora

por: Cristina Henriques

Quarto II

Este estudo está a deixar-me desassossegada. O melhor é mesmo destrui-lo.


Aurora
por: Cristina Henriques

Quarto I



Sempre o quarto. Já estou farta deste quarto. Irra! Nada bate certo. As cores têm que ser quentes, como é óbvio. Bastante óbvio. Se o quarto estava a arder, por que raio haveria eu de colocar lá cores frias.No entanto, há a janela e o mundo lá fora… não sei. Azul? Será azul? Azul é uma cor fria. O mundo fora do quarto é frio…não sei. Estou farta deste quarto. Vou tentar outra cor. O azul não resulta. Definitivamente o mundo lá fora não é tão frio assim. Experimento o amarelo. Sim, o amarelo para o “lá fora”. Afinal, lá fora também há calor e luz, muita luz. Temos apenas que ver, não basta olhar. Irra!




Aurora

Loucura

Às vezes tenho a certeza que a loucura é já ali. Basta um passo e estou lá. Um passo. Um passo. Um passo para saciar um ser que vive dentro de mim e me mata aos poucos. Domina. Não sei quem sou, na loucura não me reconheço. A busca, a procura pelo limite deixa-me inquieta. Pára. Sinto uma dificuldade atroz em respirar. Devo estar a uma altitude desmesurada, nem dou conta do que subo, loucura não me deixa cansar. Quero descer. Faz-me descer. Peço-te. Faz-me morrer um pouco. Preciso destruir este ser diabólico antes que seja a ele a matar-se. É imperativo sair da loucura.



Aurora
por: Cristina Henriques

segunda-feira, 6 de abril de 2009

um outro lado de Klimt

"Amor"
Klimt

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Nós

por: Cristina Henriques

quinta-feira, 2 de abril de 2009

"...bichinho do amor começa a cavar a sua toca entre a pele e a camisa..."


Grafiter: Nina (Brasil)

Nascer num comboio...

"(...) Ortega tinha-lhe contado em pormenor o enredo de uma história que um dia havia de escrever. Era muito simples.
Um homem nasce num comboio, numa carruagem de segunda. É amamentado com o leite proveniente das diversas estações em que o comboio pára. O homem cresce, aprende as coisas triviais, ainda que necessárias, que o amarram à realidade concreta, mas nunca abandona o comboio. Vive uma existência tranquila sem fazer outra coisa senão olhar pela janela, até que o bichinho do amor começa a cavar a sua toca entre a pele e a camisa dele. O homem descobre então que possui um dom desconhecido."
Luís Sepúlveda
Encontro de amor num país de guerra

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Desassossego

por: Cristina Henriques

Uma recordação

(...)
Sim, às vezes tu sorrias,
E os sorrisos o que são?
Quase sempre profecias
Das penas do coração.
Júlio Dinis
(1857)